Por Carol Hannud e Denise Almeida de Andrade.
Seria irônico se não fosse um escárnio que muitos dos deals e documentos que dão vida ao movimento global de ESG (Environmental, Social and Governance), que segundo dados da Global Sustainable Alliance vale hoje mais de US$ 30 trilhões, sejam negociados, estruturados, produzidos e revisados por escritórios de advocacia que pouco ou nada implementam do mínimo aceitável de práticas ambientais, sociais e de governança em 2022.
O capitalismo shareholder, aquele em que as empresas se importam apenas com seus próprios lucros, é o modelo vigente em escritórios de advocacia globalmente. Afinal, trata-se de estruturas patriarcais forjadas no século 19 e usualmente impossibilitadas de emitirem ações ou transacionarem suas quotas livremente por imposições regulatórias. Parecem estar, portanto, imunes ao olhar social que embasa a tendência ESG observada ao redor do mundo nos últimos anos e que começa a despontar no Brasil.
A maior parte do valor gerado e distribuído em escritórios de advocacia continua a ser acumulada pela coletividade branca, heteronormativa e masculina de sempre, já que o capitalismo stakeholder, menos excludente, não consegue fissurar a estrutura consolidada e, por consequência, minimizar os efeitos da ausência de paridade. Em sua grande maioria, a distribuição de lucros é extremamente concentrada em pequenos grupos e desconsidera a necessidade de medidas de inclusão de grupos historicamente marginalizados, o que auxiliaria na construção de um ambiente jurídico minimamente diverso.
De forma geral, a maioria dos escritórios de advocacia brasileiros não publica ou divulga códigos de conduta que coíbam práticas discriminatórias, excludentes e/ou de assédio, tampouco disponibilizam (talvez sequer elaborem) relatórios sociais com periodicidade (mínima) anual sobre as práticas de diversidade, equidade e inclusão adotadas. Dentre os que publicam, poucos adotam políticas afirmativas ou utilizam métricas claras e públicas para acompanhar os resultados das ações de D&I, o que explica que uma minoria possui setores específicos – e orçamento – destinados à implementação de políticas pró-diversidade.
O estabelecimento do equilíbrio entre iniciativas de promoção de igualdade de gênero entre homens e mulheres e políticas mais amplas que apoiam a todas as pessoas na busca por igualdade salarial e progressão na carreira justa e imparcial (ou seja, que reconheçam que existe o teto de vidro que precisa ser rompido) também é raro, assim como a criação de programas ou incentivos para encorajar não apenas a contratação mas também a retenção de grupos sub-representados.
É inegável que há um longo caminho a ser percorrido em prol de se normalizar a promoção de políticas e ações de promoção da igualdade material que alberguem diversidade, equidade e inclusão no ambiente jurídico, desenvolvendo um ambiente empoderador e acolhedor, não apenas para questões relacionadas à gênero, mas também para pautas LGBTQIA+, antirracistas, inclusivas a PCDs, entre outros.
Não esperemos que as partes beneficiadas diretamente por referida estrutura – especialmente aquelas próximas da aposentadoria – façam engenharia reversa dos paradigmas existentes que continuam a recompensá-los. O cenário se alterará de maneira menos lenta se a demanda dos clientes pelo ESG exigir de maneira inequívoca uma prática verdadeira, real e concreta de favorecimento à inclusão. O mercado, afinal, segue ditando as regras e alinhando condutas. E você? Vai passar a exigir isso dos escritórios que contrata ou continuar a concordar em silêncio?
Texto originalmente publicado no site Jota.